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terça-feira, 14 de outubro de 2008

O lustre* - A hora de desprender luz




Liberta-te!
Trocadilhos metamórficos
dos elementos.
Que viagem rumo
ao topo da existência
onde sou fera, serpente,
fruta e ser assexuado.

Liberta-te!
É tempo de florescer
e renascer luminescente.
A gota límpida
e translúcida, que escorre
singela e pura de minha alma.

Libertemos a dor
que sufoca, prolifera e trucida,
mazelas humanas
pelos cantos do mundo.

Liberta-te!
Cítrica e ávida,
na
vastidão dos sentidos.



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FRAGMENTOS*

* Trechos de O Lustre, de Clarice Lispector.


No entanto ele formara no seu interior um núcleo longínquo e vivo e jamais perdera a magia - sustentava-a sua vaguidão insolúvel como a única realidade que para ela sempre deveria ser a perdida.
...

As folhas cobertas de poeira, as folhas espessas e úmidas das margens, o rio rolava.
Quis responder e dizer que sim, que sim! ardentemente, quase feliz, rindo com os lábios secos... mas não podia falar, não sabia respirar; como perturbava. Com os olhos dilatados, o rosto de súbito pequeno e sem cor, ela assentiu cautelosamente com a cabeça. O coração batendo num corpo subitamente vazio de sangue, o coração jogando, caindo furio­samente, as águas correndo, ela tentou entreabrir os lábios, soprar uma palavra pálida que fosse.

O Lustre

Como o grito impossível num pesadelo, nenhum som se ouviu e as nuvens deslizavam rápidas no céu para um destino.

...

Andando pela estrada, o sangue voltara a bater com ritmo nas suas veias, eles se adiantavam depressa, juntos. Sob o céu brilhante o dia vibrava no seu último momento antes da noite, nos atalhos e nas árvores o silêncio se concentrava pesado de mormaço — ela sentia nas costas os últimos raios mornos de sol, as nuvens grossas tensamente douradas.



Eles olhavam para a frente o corpo aguçado — havia uma ameaça de transição no ar que se respirava... o próximo instante traria um grito e alguma coisa perplexamente se destruiria, ou a noite leve amansaria de súbito aquela existência excessiva, bruta e solitária. Eles caminhavam rápidos. Fazia um perfume que dilatava o coração.

...

Os vagalumes abriam pontos lívidos na penumbra. Pararam um momento indecisos na escuridão antes de se misturarem aos que não sabiam, olhando-se como pela última vez.

...
Mergulhando os olhos na cegueira da escuridão, os senti­dos pulsando no espaço gelado e cortante; nada perceberia senão a quie­tude em sombra, os galhos retorcidos e imóveis... a longa extensão per­dendo os limites em súbita e insondável neblina — lá estava o limite do mundo possível.
...

Os olhos ganharam uma vida perspi­caz e cintilante, exclamações contidas doíam no seu peito estreito; a in­compreensão árdua e asfixiada precipitava seu coração no escuro da noite.
...
Avançava trêmula adiante de si mesma, voava com os sentidos para a frente atravessando o ar tenso e perfumado da noite nova.
...

En­tão — não era o alívio nem de fim de susto, mas em si mesmo inexplicável, vivo e misterioso — então ela sentiu um longo, claro, alto instante aberto dentro de si...


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